30/11/2007
VITRAIS segunda parte
ISTO É UM FILME?
Isso é só um filme!
Quem disse?
Não é de fato real.
O que garante?
Se você desligar o aparelho, o real continua.
Você diz que real é isto que se dá: nós aqui conversando?
Sim. Tudo isso.
E que aquilo é só um filme, não-real?
Isso mesmo!
E se fizéssemos o contrário?
Como?
Se “desligássemos” isto que se chama “real”, o não-real continuaria?
Como assim?
Se morrêssemos, o “filme” continuaria?
Mas não teria ninguém para desliga-lo depois...
Então continuaria?
Por um tempo sim, até que acabasse a energia, ou alguém o desligasse.
E nós?
Mas ele não pode acabar por si só, decidindo-se por isso.
Nós podemos?
Claro que sim, isto é, suicidando-nos!
Você diz, se nós mesmos nos “desligássemos”?
Sim.
Então não haveria mais o real, nem o não-real?
Nós nos “desligaríamos” do real, mas ele continua.
Mas, para nós, o real não acabaria?
Sim.
Então, desligando o filme, ele não acabaria simplesmente para nós?
Possível.
Mas, se nos desligando do real, ele de alguma forma continua, o filme também
FIM
não continua?
Você está dizendo que o filme é real?!
Não. Só que ele continua.
Então, isso é um filme?
25/11/2007
17/11/2007
Há encontros que têm como causa algum equívoco, outros, uma grande incoerência (do destino, talvez); quando os dois, o desencontro se mostra como uma impossibilidade.
Não sei. Acordei pensando nessas coisas. Talvez não façam sentido algum, sejam um equívoco ou uma incoerência. Talvez não digam nada, talvez. Mas servem como lembrança de qualquer sensação ao acordar num dia chuvoso com uma imagem clara e ao mesmo tempo antiga de um sorriso em dias assim.
14/11/2007
31/10/2007
19/10/2007
10/10/2007
26/09/2007
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.
(Manoel de Barros)
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos.
(Manoel de Barros)
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.
(Manoel de Barros)
16/09/2007
10/09/2007
29/08/2007
03/08/2007
24/07/2007
10/07/2007
29/06/2007
21/06/2007
14/06/2007
28/05/2007
07/05/2007
02/05/2007
26/04/2007
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!
20/04/2007
07/04/2007
Veredas de Andrei Tarkovski
Tempo – é preciso perder a pressa e ganhar o ritmo do olhar, do pensamento. Esta é a primeira condição para assistir a um filme de Andrei Tarkovski. No entanto, não há um preparo, precedente ao filme, a cadência se dá com o percurso. A imagem se mostra ao espectador ao mesmo tempo em que participa da imagem: é a forma de se observar. Dos desdobramentos da imagem múltipla se encadeia todo sentido da obra em que cada parte diz o todo e o todo está em toda parte o tempo todo.
Tempo é o objeto de trabalho do cineasta. O trabalho do tempo é mesmo como o de um escultor, que deve ir aos poucos eliminando os excessos e polindo as arestas até que chegue ao resultado inesperado. À medida em que realiza a obra, o próprio artista se reinventa. Para Tarkovski, “o objetivo de toda arte – a menos, por certo, que seja dirigida ao ‘consumidor’, como se fosse uma mercadoria – é explicar ao próprio artista, e aos que o cercam, para que vive o homem, e qual é o significado da sua existência”. Mesmo que não seja possível explicar, ao menos deve se propor a questão.
Desde que inventada, a arte do cinema suscita discussões quanto aos seu limites. O que é o cinema e o que o distingue da literatura, da música, do teatro, etc, etc, dentro do próprio fazer artístico e do fim da obra. No livro “Esculpir o Tempo”, Tarkovski delineia as margens do cinema definindo o lugar próprio das demais artes dentro do próprio cinema. Ao invés de querer estabelecer de uma vez o que o cinema é ou como deve ser, por meio de princípios e dogmas, fundando escolas ou correntes, Tarkovski procura sempre o caminho, o veio pelo qual deve mover-se a arte do cinema. O cinema não foi inventado uma vez e assim permaneceu, mas está sempre a caminho, sempre sendo reinventado.
No filme de estréia de Tarkovski, média-metragem “O Rolo Compressor e o Violinista”, os personagens antagônicos, o operador de máquina e o menino musicista, formam um laço afetivo e de mútua aprendizagem que contrasta com o dualismo peso-leveza. A primeira experiência estética já é uma dica do caminho que Tarkovski irá seguir na construção de sua obra. Desde a crítica à desumanização do homem na guerra, em “A Infância de Ivan”, e a discussão sobre a função social do artista, em “Andrei Rublev”, até os (considerados) de ficção científica, como o conhecido “Solaris” e o obscuro “Stalker”, bem como os de caráter psicológico, que discutem memória e loucura, por fim, “O Sacrifício”, “O Espelho” e “Nostalgia”, a filmografia tarkovskiana tem uma unidade em sua pluralidade.
A beleza plástica das cenas concretiza e acentua a problemática existencial proposta em cada filme. A densidade posta na superfície provoca no espectador a necessidade de observar e refletir atentamente cada detalhe, toda particularidade. Tarkovski o conduz lentamente por essas veredas que exigem sempre um retorno: o mesmo se faz outro com a travessia.
Neste sentido, perder a pressa sempre estática é ganhar o movimento instantâneo do caminho, o percurso do olhar num horizonte próximo, como num espelho.
Francisco Augusto C. Freitas, graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo e integrante do Projeto de Extensão Grupo de Audiovisual (Grav).
17/03/2007
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
(Snoopy, psicografado por Pablo Neruda)