20/01/2008

MEMÓRIAS DO VENTO

Qualquer palavra poderia ter sido a primeira.

Se não fosse, quem teria dito?

A única sensação que tenho são as palavras e como estranhamente lembro-me delas.

O que une e delineia as palavras é um abismo – e percorrê-lo, vertiginoso.

Ficar: intervalo entre o tempo de distância e a possibilidade da chegada.

Partir: a saída mais óbvia e angustiante.

Qualquer direção que poderia ter sido única era incerta.

Agora parece ser o único instante que não retorna. – E por que haveria de retornar? (Posso perguntar dez vezes!)

Soa outra vez um desejo: ouvir mais silêncio e chuvisco.

A existência habita o tempo

, de que meu corpo se alimenta.

A luta pela sobrevivência é apenas condição para afirmar temporariamente minha existência.

Depois de corpo em queda

toda lembrança é vazia.

Como perder o chão, não ter onde apoiar a vista – vertigem horizontal.

É preciso mergulhar no esquecimento para não ficar somente com o que paira na memória.

Sem origem – vertigem do tempo.

Na areia o mar sepulta rastros. Na calçada não restam passos. Na memória não existem fatos.

18/01/2008

ANOTAÇÕES

I

O que não conheço não existe?
O que conheço existe?
O que sei?
Porque penso, existo?
Se não penso?
Se me esqueço?
Onde habito?

Quem habita o hábito
ou ausências
existe só
ou inventa existências.


II

Ainda habito estas ausências.
Ainda chamo ontem o esquecimento.
Ainda falo de silêncio e incompletude
das palavras.

Qual palavra ou ruído é possível
nas ranhuras do tempo
disperso de sentido
sem acontecimento
nem experiência
que delimite o espaço
num momento inexistente?

16/01/2008

A Frederico N. Fisher, morto pela manhã, antes de tudo no fundo estático, como quem por um instante pensa ser formado de pedra - seu corpo insignificante e seus olhos que espelham transparências - depois, esquecido numa gaveta, lançado a mares inertes para ser navio ou vento: tarde, sons de vidro e de água preenchem meu sono quando ando desprovido de memórias para tatear em fundos de armário onde habitam traças e destroços de roupa úmida - diálogos com cortinas - ou mesmo quando a única palavra que nos cabia - incertos de nossa essência: a outridade e o absurdo - era despejada no abismo que há entre a compreensão silenciosa de minha corporeidade e a inacessível certeza de sua existência - com que aprendi a nadar: mais nada.

Tenho que reduzir
meu ânimo ao mínimo
da pedra à altura de seu silêncio
até ser sua forma
e - talvez
compreender sua existência.