28/02/2011

impressões de uma manhã


por entre uma estreita fresta da janela insinua-se uma tímida luminosidade a erguer um microcosmo de poeira e película dentro do quarto escuro onde todas as manhãs o mesmo sol incide sobre o livro deitado no criado mudo formando envergaduras nas bordas da capa e amarelecendo as páginas em um envelhecimento diário para conservá-las como folhas de um eterno outono

(imagem: William Turner, "Rain, Steam and Speed")

26/02/2011

breviário

pouco antes de amanhecer contaram-se trezentos e sessenta e cinco voltas da minha vinda escritos em um anuário de areia e pedra dura desde quando parti carregado de sonhos e saudades insipientes da ilha cujos limites delineavam minha vista atrás de um horizonte belo e amplo sem saber se afinal partia rumo ao incerto ou se regressava para uma origem desconhecida apenas com sorrisos e lágrimas e mais perguntas que certezas somente de amigos que se mantêm próximos na distância mesmo vertida em tempo feito ponte que me liga de volta à ilha e ao porto de onde parti sem jamais regressar o mesmo nesse ir e vir constante a trocar palavras pensamentos memórias por novos desejos e projetos que se perdem ou se refazem no caminho que de tanto percorrer não sei mais para onde voltar e de onde partir se do mar à montanha ao longe que enfim me encontro como quem jamais partiu e jamais esteve na espera de que mesmo ausente houvesse para onde ir mas sem saber encontrasse esse lugar como se dele tivesse lembrança pois lembranças mudam como lugares e escrevê-las significa caminhar de trás para sempre e dar continuidade ao que é sem começo mas cheio de intervalos pausas silêncios que dão fôlego novo para dizer as incontáveis imagens que vêm juntas à memória como uma implosão contrária em que tudo se concentra ou como uma fotografia em que toda a história está contida em um único instante