24/08/2008

o céu feito cimento funde-se à paisagem de concreto da cidade e à passagem do automóvel de aço e vidro escuro no asfalto liso de pedra preta escorregadio onde uma poça de óleo olha o céu feito chumbo que se precipita e apressa o passante até a marquise que quebra a chuva que desaba e deságua a pálpebra úmida do rosto frio na janela embaçada do suor e da respiração repartida que arrisca da calçada oposta o silêncio da partida dos desconhecidos que deixam restos de rastros nas faixas da avenida onde o trânsito parado atropela à pressa o sorriso preso na boca da espera perdida entre as esquinas da incerta saída para o vulto de um desejo sôfrego que um soluço interrompe e o cílio interroga se o pássaro no céu branco que o vento estanca é uma sombra que foge ou um movimento indistinto da pupila que procura um ponto no horizonte mudo do mundo massa cinzenta nuvem pesada no fim do mesmo mês em que se acostumou a ver as árvores nuas no parque a neve negra da combustão da matéria morta a penetrar a falta de fôlego da fugacidade existencial que a ferida exposta da impossibilidade grita com voz grave áspera rouca insiste não respira respira respira através do texto diluído do corpo que corre até a palavra posta no primeiro passo.

nasci quando as folhas morrem os galhos secam as árvores murcham os frutos apodrecem as ruas empoçam o vento é contrário a chuva é incerta e as pessoas se sentem sozinhas