09/05/2010

impossibilidades: do silêncio e da solidão

Falar sobre minha solidão é uma dupla impossibilidade: ultrapasso o limite do silêncio, invento um interlocutor ausente. Talvez seja necessário um segundo passo, em sentido contrário: um interlocutor solitário e um eu ausente.
Poderia então falar sobre o andar distraído em meio à multidão anônima numa cidade desconhecida; sobre a estranheza e familiaridade de cada rosto e cada gesto, cada prédio em cada esquina, a repetir-se incansavelmente, do menor ruído, a mínima sombra, o vento na blusa, ao acidente na rua, o choque, os transeuntes, a cena de sempre.
Tudo isto é sólida solidão e silêncio. Tão agudo que a epiderme se rompe e a futura ferida se expõe; tão agudo o vento depois da chuva, o rumor da cortina, o calor através da pele, a veia, o nervo; sem mudar, contudo, a temperatura do corpo, o tato ou o tempo.
Nenhuma permanência. Neste espaço a memória persiste: o contato é distante, o afeto é distante, o amor é distante, e não se fala sobre isso. Então preciso ir tão longe para dizer essas coisas que talvez se repitam, nas ruas e nos dias, como uma contradição permanente, uma falta incontornável, do silêncio, da solidão e da saudade.