26/04/2007


CANÇÃO DE OUTONO


O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contrapelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!

(Mário Quintana)

20/04/2007

quando me convidavas para
passarmos cedo
o sol

juntos só
os grãos de
mar
que com os olhos
colhia

calmo
era mesmo tarde em
chama
o sol se
pondo onde é
parte agora

de tudo lembro como
se só
perdesse

o medo de que não
seria
aquilo que antes de
ser não foi

mar
insiste ruínas

quando tão
breve
partistes

sem direção
o mar
existe

07/04/2007

UM MOMENTO MOVIMENTADO
Veredas de Andrei Tarkovski


Tempo – é preciso perder a pressa e ganhar o ritmo do olhar, do pensamento. Esta é a primeira condição para assistir a um filme de Andrei Tarkovski. No entanto, não há um preparo, precedente ao filme, a cadência se dá com o percurso. A imagem se mostra ao espectador ao mesmo tempo em que participa da imagem: é a forma de se observar. Dos desdobramentos da imagem múltipla se encadeia todo sentido da obra em que cada parte diz o todo e o todo está em toda parte o tempo todo.

Tempo é o objeto de trabalho do cineasta. O trabalho do tempo é mesmo como o de um escultor, que deve ir aos poucos eliminando os excessos e polindo as arestas até que chegue ao resultado inesperado. À medida em que realiza a obra, o próprio artista se reinventa. Para Tarkovski, “o objetivo de toda arte – a menos, por certo, que seja dirigida ao ‘consumidor’, como se fosse uma mercadoria – é explicar ao próprio artista, e aos que o cercam, para que vive o homem, e qual é o significado da sua existência”. Mesmo que não seja possível explicar, ao menos deve se propor a questão.

Desde que inventada, a arte do cinema suscita discussões quanto aos seu limites. O que é o cinema e o que o distingue da literatura, da música, do teatro, etc, etc, dentro do próprio fazer artístico e do fim da obra. No livro “Esculpir o Tempo”, Tarkovski delineia as margens do cinema definindo o lugar próprio das demais artes dentro do próprio cinema. Ao invés de querer estabelecer de uma vez o que o cinema é ou como deve ser, por meio de princípios e dogmas, fundando escolas ou correntes, Tarkovski procura sempre o caminho, o veio pelo qual deve mover-se a arte do cinema. O cinema não foi inventado uma vez e assim permaneceu, mas está sempre a caminho, sempre sendo reinventado.

No filme de estréia de Tarkovski, média-metragem “O Rolo Compressor e o Violinista”, os personagens antagônicos, o operador de máquina e o menino musicista, formam um laço afetivo e de mútua aprendizagem que contrasta com o dualismo peso-leveza. A primeira experiência estética já é uma dica do caminho que Tarkovski irá seguir na construção de sua obra. Desde a crítica à desumanização do homem na guerra, em “A Infância de Ivan”, e a discussão sobre a função social do artista, em “Andrei Rublev”, até os (considerados) de ficção científica, como o conhecido “Solaris” e o obscuro “Stalker”, bem como os de caráter psicológico, que discutem memória e loucura, por fim, “O Sacrifício”, “O Espelho” e “Nostalgia”, a filmografia tarkovskiana tem uma unidade em sua pluralidade.

A beleza plástica das cenas concretiza e acentua a problemática existencial proposta em cada filme. A densidade posta na superfície provoca no espectador a necessidade de observar e refletir atentamente cada detalhe, toda particularidade. Tarkovski o conduz lentamente por essas veredas que exigem sempre um retorno: o mesmo se faz outro com a travessia.

Neste sentido, perder a pressa sempre estática é ganhar o movimento instantâneo do caminho, o percurso do olhar num horizonte próximo, como num espelho.




Francisco Augusto C. Freitas, graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo e integrante do Projeto de Extensão Grupo de Audiovisual (Grav).