12/10/2008

Não ouço mais aquela voz imaterial, não penso mais naquele sujeito sem carne e osso, desalmado, em sua existência improvável sentado numa cadeira abstrata fumando um cigarro imaginário com gestos lógicos e um olhar metódico que sempre pergunta a coisa certa a coisa mesma e a coisidade da coisa em questão, cada todo classificado em categorias antidogmáticas, comprovando o inverso do conceito, a dúvida que leva inevitavelmente a lugar nenhum, onde talvez algum filósofo tenha chegado e inventado uma palavra enciclopédica apodídica propedêutica metafísica psicológica a priori ética moral aristotélica incompreensível, que me faz repetir ruminar e reconhecer a ignorância primordial e o rumor do pensamento incompleto

Aquele sujeito, cansado de existir, resolveu ser relógio, agenda, pedra, souvenir, um objeto qualquer que se esquece na gaveta. Não fala com ninguém, apenas ouve as vozes que reverberam sozinhas, acompanha os passos desorientados e pausas na respiração. Quer que o dia termine, mas não consegue dormir; está cansado demais para fechar os olhos, para ler ou pensar qualquer coisa. Desistiu de ir à rua, observar as pessoas, vaguear na areia, tomar banho de mar, ficar triste ou contente pela inexplicável sensação de estar vivo. Não pode chorar, não pode sorrir, não pode correr, não pode ser outro, nem José; não quer morrer, não quer querer, não quer negar, não quer nada. Quando o vi desse jeito, não lhe disse palavra alguma, nem lhe abracei, não o consolei. Ali mesmo, parado, sem pressentir seu desespero ou notar qualquer angústia, deixei que sua existência esgotasse até se perder de meus sentidos, até esquecê-lo, definitivamente.