22/10/2006

(QUARTA PERGUNTA)
QUEM SOPROU SILÊNCIO SOBRE O BEIJO?
— sobre as navalhas que têm os olhos —


Não espero neste inverno que me venhas com teu corpo distraído e com tua boca vazia de lábios contraídos a buscar descompassados movimentos de língua no ar sempre cinza da perdida vontade para desenhar o desenvolvimento dos nossos braços e referir veladas feridas do inesperado fracasso depois da chuva onde tudo é pouco ou quase ou nada e um resto de dor que levemente deixa os pulmões entre esculturas de vento e espuma e areia sob os pés perdidos em submersas saudades por desamar lentamente perante a óbvia ruína dos ruídos calados nas encostas do olvido onde sempre cego ao acaso percebi (o amor é uma esperança sem espera)
que não há outra palavra senão a transitoriedade de nossos corpos mordidos pelo tempo de nossa solidão patológica esfregada com silêncio sobre a pele e ilhados olhos secos fechados como portas e cortinas para não ver os passos descuidados nos corredores nem as grades enferrujadas nas janelas que dão para o concreto impermanente da memória desabitada que adormece pelas ruas à procura de um espelho (o desejo é uma vontade desesperada)
quando amanhecemos mortos e carregamos nossos ossos pelos cômodos vazios sem termos onde lançar a mentirosa falta da fluida intermitência ou do peso da repetição que nos conduz às paredes disfarçadas de caminhos diluídos no suor imóvel da pressa sem céu sem chão e destituída de horizonte (a vida é uma espera sem esperança)
ainda que inventemos uma existência fora dos quartos ou mesmo que haja nas esquinas um outro destino feito das mesmas horas que foram sepultadas sem mãos por desconhecidas lembranças atrás da distância que recebemos como condição do instante desarrancado dos próprios dedos entre nossa mais calma ignorância e nossa mais desmedida violência escondida na rala voz de quem não sabe se só ou se perdido ou se cansado de esperar o inesperado acontecer nas pedras ou nas pálpebras sempre cerradas da nossa face estranha enquanto não há mais nada não há nada (não há esperança em nossa vã espera)
no eterno laço etéreo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Coloca as outras três perguntas aqui também... eu só li essa... Gabriel