02/11/2006

(SEGUNDA PERGUNTA)

QUEM APAGOU O REFLETOR NOTURNO?
— sobre pálpebras e lábios —


Com o tempo na língua — é preciso deixar o tempo dissolver na língua —, lento, para sentir nos pés, nas pernas, nos cabelos, os passos e o vento; perceber o olhar dos objetos: o tempo petrificado nos postes, nas calçadas, nos prédios, o tempo ultrapassado no próximo passo. Andar na ponta da língua, sentir com a ponta dos pés.

Tomar o rumo da fumaça (a vida é o instante em que se atravessa o feixe de luz da janela), se dispersar, ocupar todas as arestas do quarto e os brônquios de cada segundo esquecido: duro tempo, irrecuperável tempo, que se dissolve.

Fechar os olhos, apagar a luz (que permanece acesa), guardar as esferas abertas numa caixa, limpar da poeira diária cada gomo, limpar com sonhos, limpar dos sentimentos ressequidos, limpar com lágrimas.

A pele vestida de nudez e de desejos, porém muda, aquém da carne, palavra por palavra, nada transparece. O que fazer das mãos que afagam o corpo sem sentir? O que fazer do corpo que não sabe das mãos? O que sonhar quando se abrem os olhos?

Fôlego trôpego de um asmático: assim, nas esquinas e nas casas, procuro abrigo de um destino morto, e em cada encruzilhada e em cada porta encontro o entulho de minhas esperanças: espelhos.

Talvez haja estrelas além das pálpebras, maçãs além dos lábios: mas é preciso ter olhos e dentes.

Um comentário:

Serjo Vix disse...

cara, vc é bom. Belíssimo texto. Ainda terei o prazer de comprar um livro seu. Já imagino até o autógrafo: Chico, O Polivalente.

Manhans