(PRIMEIRA PERGUNTA)
QUEM PERGUNTOU PELO INDEFINÍVEL RUMO?
— sobre pontes e possibilidades —
Um dia de perder o olhar no céu uníssono. Outro de buscar nas janelas objetos diluídos pela luz. Então perceber a catástrofe dos passos alheios que sabem aonde vão. Mas: é sempre incerto caminhar. É preciso ter os pés desnudos. Sempre. Sair para encontrar-se no vazio, para não morrer entre paredes. Nunca.
Não há — senão uma ilusão transitória — outra ilusão.
Intermitente: como um navio sem nós que parte em transcurso invisível sobre pés inimagináveis e se entrega aos braços invariáveis dos portos inexistentes — entre a maré incerta e a noite náufraga —, deixa sobre a inesgotável matéria imprevisíveis palavras (dentro: ininteligíveis) e leva longe onde leve verdades imateriais:
navego sem remo e sem âncora, sem rumo e sem ânsia de chegar, navego sem cais e mais nada: sou isto que invento à circunferência de meus olhos.
O que disse o inverno quando passou com acenos de dedos secos e esquecidos, com sua mão de árvore solitária? Não ouvimos (respiramos)?
Espraia-se em meu corpo o desejo sem mar, o vento inevitável. Deságua em mim o rio sem margem, a chuva inadiável. Carrego nas mãos outra pergunta:
Não me ensinou o inverno a deixar caírem as folhas?
Guardo tanto maio e meio junho nas vésperas de dezembro, nas costas de janeiro (quem sabe algum fevereiro?), que já não sei o sabor do ido ar árido muitas vezes brando. Repetições empoeiradas de gestos imprecisos, reflexos dissimulados de superfícies desenterradas: nada resta nas gavetas senão lembranças amarrotadas: caminhos que nunca levam de possibilidades a possibilidades; horizontes indistintos do chão, lugares submersos em incertezas: os descaminhos nos levam sempre de impossibilidades a impossibilidades.
Coleciono horas nos cabelos, colho manhãs com os olhos e deixo nos cílios o imprevisível pólen, levo meus sentimentos nas têmporas. Mas é sempre tarde que percebo ter passado a primavera enquanto conto gramas no jardim. Sol na pele. Agora eu conto ondas.